Hidratos de Carbono pós-treino - sim ou não?

Hidratos de carbono pós-treino – Sim ou não?

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Serão os hidratos de carbono pós-treino benéficos ou sequer necessários? 

A resposta a esta questão é altamente dependente do tipo de exercício realizado.

Aliás, o benefício ou necessidade de ingerir glícidos após um treino de força é completamente diferente de após um exercício de endurance ou de alta intensidade intervalada. 

Além disso, é importante perceber o objetivo dos hidratos de carbono pós-treino.

Maximizar ganhos de massa muscular, ressintetizar glicogénio e otimizar a performance no treino seguinte constituem diferentes contextos.

E, portanto, diferentes necessidades. 

HIDRATOS DE CARBONO PÓS-TREINO

Primeiro, devemos perceber os possíveis benefícios de ingerir hidratos de carbono no período pós-treino:

Como sabemos, os hidratos de carbono são a principal fonte energética durante o exercício de moderada a alta intensidade.

Estes podem ser armazenados como glicogénio nos músculos, onde são facilmente utilizados para obter energia durante o exercício.

Então, seria de esperar uma necessidade de glicogénio para uma melhor performance no treino.

E portanto, um cuidado essencial após o treino poderá ser:

REPOR O GLICOGÉNIO MUSCULAR

Ora, isto não é totalmente correto, visto que a natureza do exercício influencia a sua exigência energética.

Aqui, podemos separar dois tipos de exercício com distintas necessidades de glicogénio:

EXERCÍCIO DE ENDURANCE OU ALTA INTENSIDADE INTERVALADA

Nestes constam os desportos de endurance e os desportos coletivos, como o futebol, basquetebol, rugby, etc.

Caraterizam-se por um exercício muito dispendioso energeticamente. E a maioria desta energia provém dos glícidos.

Nestes desportos, a depleção de glicogénio é um fator limitante ao desempenho. Logo, torna-se benéfico assegurar a reposição destas reservas para cada sessão de treino.

Então, dado o elevado gasto e necessidade deste substrato, a ingestão de hidratos de carbono pós-treino é recomendável para estes atletas.

O TREINO DE FORÇA (“TREINO DE GINÁSIO”)

Neste consta o típico treino de hipertrofia no ginásio e os treinos focados na força ou na potência muscular.

Ao contrário dos outros desportos, estes treinos são muito menos exigentes energeticamente.

Uma forma simples de percebermos isto é através da densidade do treino.

Os períodos de esforço são relativamente curtos, especialmente face aos períodos de descanso.

Isto faz com que no geral, um treino de força não consuma muita energia.
Por exemplo: mesmo num treino muito volumoso, apenas se depleta 1/3 do glicogénio muscular. (1)

Logo, a depleção de glicogénio raramente será um fator limitante no treino de força, visto ser difícil de alcançar.

E sabes que mais?

As reservas de glicogénio são altamente auto-reguladas (2).

Tanto que, normalmente, a ressíntese de glicogénio é completa após 24h do exercício.
E esta ressíntese é bastante eficaz, mesmo sem ingestão de hidratos de carbono. (3)

Então, a depleção causada pelo treino de força, que consideramos mínima, é resolvida rapidamente.
Mesmo sem consumir glícidos.

Então, após o treino de força, não há necessidade de ingerir hidratos de carbono para repor o glicogénio para a sessão seguinte. (possível exceção de treinos bi-diários muito volumosos.)

Os hidratos de carbono pós-treino não são de todo necessários se apenas fazes ginásio 1 vez por dia!

Desculpem, mas não foi desta que arranjámos desculpa para devorar doces a seguir ao treino.

Mas, mesmo percebendo o papel dos hidratos de carbono pós-treino na reposição de glicogénio, falta ainda abordar um aspeto importantíssimo.

Quer seja para aumentar a massa muscular ou otimizar a recuperação, há algo que procuramos no período pós-treino:

MAXIMIZAR A SÍNTESE MUSCULAR

Como sabemos, os hidratos de carbono são insulinogénicos – estimulam a secreção de insulina.

Esta hormona é anti-catabólica e, portanto, impede o catabolismo muscular, que acontece no período intra e pós-exercício.

Então, os hidratos de carbono pós-treino podem ajudar a impedir este catabolismo (4), auxiliando a recuperação muscular. 

No entanto, os glícidos apenas contribuem com ação anti-catabólica.

Não conseguem estimular a síntese proteica.

Então, só atrasam a degradação muscular, não a conseguem resolver.

Ora, a síntese proteica é estimulada pela ingestão de proteína (5).

Logo, é preciso ingerir proteína após o treino para reparar e aumentar o tecido muscular.

Mas, dado um consumo adequado de proteína (>20g), haverá algum benefício em adicionar glícidos ao pós-treino? Considerando o efeito anti-catabólico? 

Não, para minha desilusão, que gosto tanto dos meus hidratos.

A ingestão de proteína pós-treino produz o mesmo efeito na síntese e balanço proteico com ou sem co-ingestão de glícidos. (6 e 7).

E isto faz todo o sentido, visto que a proteína em si também é insulinogénica (8), proporcionando o tal efeito anti-catabólico. 

Resumindo:

Dado um consumo apropriado de proteína (>20g), adicionar glícidos à refeição pós-treino não melhora a síntese muscular. 

ENTÃO OS HIDRATOS PÓS-TREINO SÓ ENGORDAM?

Claro que não! 

Para “engordarem” teriam que ser a razão pela qual entras num excesso calórico.

Mas isso não é por serem hidratos de carbono, ou por serem ingeridos neste período.

É porque, ao final do dia, as calorias todas que consumista excedem o teu dispêndio. 

Aliás, se decidires ingerir os teus glícidos no período pós-treino, estes serão maioritariamente utilizados para repor o glicogénio perdido.

Portanto, não são desperdiçados.

Mas, mesmo que não os ingiras, este será reposto “sozinho” ao fim de 24h +/- . 

Os hidratos pós-treino importantes, sim. Mas não são tão cruciais quanto isso numa alimentação equilibrada e bem organizada.

CONCLUSÃO

Para praticantes do treino de força, ingerir hidratos de carbono pós-treino não é necessário para repor o glicogénio. Nem para maximizar o crescimento muscular, dado um consumo apropriado de proteína (>20g)  

O cuidado de adicionar glícidos às refeições após o exercício faz muito mais sentido em situações de treino bi-diário. Ou em atletas de endurance ou de desportos de alta intensidade intervalada. Isto deve-se à acelerada reposição de glicogénio, um fator importante quando a exigência energética do exercício é de tal magnitude. 

Atenção! Não te estou a dizer para abandonar os hidratos de carbono pós-treino. Podes perfeitamente ingeri-los. Simplesmente não tens que guardar X gramas de glícidos para esta refeição, esperando algum benefício. 

Bons treinos!

E não te esqueças…

Referências – Hidratos de Carbono Pós-Treino:

1. Roy, B. D., & Tarnopolsky, M. A. (1998). Influence of differing macronutrient intakes on muscle glycogen resynthesis after resistance exercise. Journal of applied Physiology, 84(3), 890-896.

2. Burke, L. M., van Loon, L. J., & Hawley, J. A. (2016). Postexercise muscle glycogen resynthesis in humans. Journal of applied physiology, 122(5), 1055-1067.

3. Pascoe, D. D., Costill, D. L., Fink, W. J., Robergs, R. A., & Zachwieja, J. J. (1993). Glycogen resynthesis in skeletal muscle following resistive exercise. Medicine and science in sports and exercise, 25(3), 349-354.

4. Børsheim, E., Cree, M. G., Tipton, K. D., Elliott, T. A., Aarsland, A., & Wolfe, R. R. (2004). Effect of carbohydrate intake on net muscle protein synthesis during recovery from resistance exercise. Journal of applied physiology, 96(2), 674-678.

5. Glynn, E. L., Fry, C. S., Drummond, M. J., Dreyer, H. C., Dhanani, S., Volpi, E., & Rasmussen, B. B. (2010). Muscle protein breakdown has a minor role in the protein anabolic response to essential amino acid and carbohydrate intake following resistance exercise. American Journal of Physiology-Regulatory, Integrative and Comparative Physiology, 299(2), R533-R540.

6. Kerksick, C. M., & Leutholtz, B. (2005). Nutrient administration and resistance training. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 2(1), 50.

7. Gorissen, S. H., Burd, N. A., Hamer, H. M., Gijsen, A. P., Groen, B. B., & van Loon, L. J. (2014). Carbohydrate coingestion delays dietary protein digestion and absorption but does not modulate postprandial muscle protein accretion. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 99(6), 2250-2258.

8. Pal, S., & Ellis, V. (2010). The acute effects of four protein meals on insulin, glucose, appetite and energy intake in lean men. British journal of nutrition, 104(8), 1241-1248.

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